9 de setembro de 2011

SOBRE AS CONSTRUÇÕES PESSOAIS

Alex Giostri, formado em cinema, ganhador de diversos prêmios e escritor de livros e peças teatrais.

É inevitável que o ator não leve para sua arte características de seu caráter ou traços de sua personalidade. Isso não significa que a personagem seja o ator. Significa que cada indivíduo traz, em sua caixinha particular, as próprias características e emoções que foram sendo constituídas, lentamente, ao longo de sua vida.

A realidade é que muitos jovens possuem o desejo de serem atores. Sonham com seus rostos nas novelas, nos palcos lotados e nos cinemas. Para realizarem tal desejo, muitos saem de suas cidades, que geralmente são pequenos municípios afastados dos grandes centros nacionais RJ/SP e enfrentam uma maratona de cursos, palestras, workshops. Alguns caem nas mãos de cursos bons, com conteúdo fundamental à formação do ator. Outros caem nas garras dos famosos conhecidos caça-níqueis, que se aproveitam dos sonhos alheios para ganharem um dinheirinho.

Porém, a questão a ser discutida não são os cursos. Não estamos aqui para isso. O que nos importa são as construções pessoais.

Neste sentido, o que é válido saber é que não será um curso que tornará alguém um ator. Naturalmente um bom curso oferece um conhecimento teórico, prático, oferece a possibilidade de conhecer mais do próprio ofício, mas nenhum curso, nem o bom nem o ruim, oferece ao aluno uma maneira mais profunda de olhar para si mesmo, que é o que é, de fato, o mais importante.

Essa maneira profunda de se olhar é para que o ator tenha mais intimidade, ou uma relação mais ampla, com o seu próprio eu, com a sua própria edificação emocional, psíquica, com as suas limitações, com os seus desejos. É fundamental que o ator tenha essa ciência de si mesmo.
Essa ciência será somada ao conhecimento técnico dos cursos que aí sim será utilizada com grande eficiência.

Num raciocínio básico é fácil compreender que uma pessoa não pode conceber ficcionalmente uma outra se não se conhecer num plano mais profundo, se não tiver uma relação clara consigo mesmo, se não tiver munido de uma sensibilidade aguçada sobre as suas emoções e os seus sentimentos.

Para isso, é importante que o ator faça uma viagem ao seu passado, à sua infância, que busque suas primeiras referências, que passeie pela sua adolescência, que traga à mesa alguns de seus conflitos passados, una-os aos conflitos presentes e os resolva, ou pelo menos os compreenda.

Não há como se tornar um bom ator se o sujeito não for uma boa pessoa e não tiver munido de conhecimento teórico, cultural e emocional suficiente para suportar a estrutura emocional do estar em cena fazendo a diferença. O estar em cena num plano médio é simples, para muitos, não enche os olhos de ninguém. No entanto, o estar em cena fazendo a diferença é o que há de mais gratificante ao ator. E para isso é que o conhecimento sobre a sua construção pessoal até então, e de como está construindo a partir de agora se faz imprescindível.

Esse trabalho além de voluntário e opcional é totalmente solitário, assim como construir uma nova personagem. É ideal que o ator entre em si e vasculhe cada cantinho de sua vida, de sua memória. É ideal que o ator entre em contato com cada dor vivida, com cada vitória, com cada perda. É praticamente vital ao ator essa experiência. É como se livrar das amarras. É como se o ator tivesse que navegar em busca das pequenas e grandes repressões que ficaram para trás e que nem se lembra mais.

Não é um trabalho fácil, pois é um trabalho de autoconhecimento e crescimento. E crescer dói. E a busca pelo autoconhecimento é sempre minada pelo terreno da negação e da mão na cabeça.
Uma coisa é certa. Sempre se descobre que não é tão ruim como se pensava e também não tão bom como sempre pareceu ser. É como desatolar. Pôr-se em movimento. Ação.
Um ator que tem noção dessa vital relação entre o seu ofício e o seu eu certamente terá um espaço interno infinitamente maior daquele que apenas conformou-se m fazer os pequenos e grandes cursos país afora. Não há como apropriar-se de nada em lugar algum sem antes se apropriar de si próprio e de suas emoções, ações e reações em relação à vida.

Num processo de clínica psicanalítica o caminho traçado seria o da desconstrução do eu para uma reconstrução do novo eu. Pois não há como um edifício tornar-se belo se não houver um projeto inicial apresentando todas as etapas: início meio e fim. Ou seja: o ponto de partida e o ponto de chegada.

0 comentários:

 
Design by Daniel Pweb