7 de setembro de 2011

MINHA HISTÓRIA DE VIDA E MEUS OBJETOS PESSOAIS

Alex Giostri, formado em cinema, ganhador de diversos prêmios e escritor de livros e peças teatrais.

A história de vida de cada um é muito importante e deve ser posta como primeiro plano na hora de pesquisar um pouco mais sobre a natureza humana. Há uma tendência natural em recorrer aos manuais, às aulas, às palestras, aos dicionários, no entanto, há pouquíssima procura pela pesquisa pessoal. O ator é uma ferramenta, seu corpo é o agente, sua voz a fala, suas emoções transferem-se aos seus espectadores. Todo o resultado artístico do ator é advindo de tudo que estudou e, sobretudo, de toda a sua vivência no mundo. E tais vivências são partes, senão a parte toda, de sua história de vida.

“Como alguém se torna o que é?”, Nietzsche.

Neste sentido, é interessante que o ator procure a criança dentro de si. A criança é a responsável pela perseverança do sonho, pela luz no fim do túnel, pela crença de que tudo vai dar certo. Ela traz o que um dia já foi o presente. A criança tem dentro de si as primeiras observações feitas sobre o mundo, as primeiras impressões, os medos mais freqüentes, as atitudes que ela mais gostava; a criança possui o frescor da experiência das primeiras coisas, um frescor que no homem adulto já não existe mais. A criança tem o sonho e o lúdico dentro de si firmemente alicerçados. E onde há sonho há a esperança.

Partindo do início, que é a infância, o ator vai redesenhando a sua trajetória de modo que seu pensamento se volta ao que um dia já foi. E essa volta, esse novo olhar sobre aquilo que foi vivido pela criança, tem um peso indizível no processo de criação. É como se o ator voltasse a uma determinada situação infantil e a experimentasse novamente, só que agora com os olhos de um adulto. É delicado, pois mesmo adulto, o que o ator deve procurar é a sensação, a maneira que lidou com tal situação na sua infância. Isto é: como sentiu essa criança dentro de mim? Essa é a busca. E isso é parte da sua história de vida.

Um outro ponto chave para o amadurecimento do ator é a busca pelas repressões pessoais. É fundamental que o ator mantenha um diálogo honesto consigo mesmo para não se atrapalhar na sua vida profissional. O mais agravante quando isso não acontece é que inevitavelmente o que não está resolvido internamente se externará a qualquer momento, e pode ser numa cena, numa personagem, com um colega.
A grande maravilha de ser ator é justamente poder lidar com os próprios demônios e colocá-los para fora, destruí-los, resolvê-los. Não no amigo de cena, nem na personagem, mas consigo mesmo. Não há ofício mais propício ao amadurecimento pessoal do que o do ator.

Se tratando de história de vida, pode-se arriscar dizer que cada um de nós passaria a vida toda pensando na sua própria e não chegaria a um fim objetivo. São muitas as lembranças, muitas as sensações, muitos os traumas. E isso que é o belo de se estar na vida, de poder aproximar-se de um outro semelhante e beber de toda a sua história.

Além da própria história, uma outra ferramenta boa para o ator buscar são os seus objetos pessoais e seus significados simbólicos. Cada objeto possui uma energia em torno de si. Energia essa produzida pela relação que cada um de nós estabeleceu. Esses objetos devem ser compreendidos pelo ator adulto e deles serem retirados o que ficou esquecido. Para as atrizes, por exemplo, veja que interessante, antigamente a filha era a boneca. Davam-lhe banho, punham nome, choravam pela boneca, diziam que jamais a abandonariam. Os anos passaram e a boneca empoeirou-se num quarto no fundo da casa. O que ficou esquecido? Só saberá quando for à boneca empoeirada, limpá-la e buscar o que ficou lá. Isso mesmo se a mãe da boneca tenha se tornado mãe de uma menina real. O sentimento é outro. Basta entrar em contato. São pequenos detalhes que fazem toda a diferença.
Para os meninos, as atores, os carrinhos, as bolas... E mesmo adultos, atualmente, cada um de nós possui um objeto preferido em casa. Por que será? É hora de voltar lá e tentar saber mais. Isso é muito mais importante para a construção do ator do que uma apostila.

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